quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Deep Forest

 A coletânea de músicas tribais

Em 1992, um projeto chamado Deep Forest lançou uma coletânea de músicas tribais em batida eletrônica. Deep Forest é um projeto formado por dois músicos franceses: Eric Mouquet e Michel Sanchez. A ideia deles foi coletar músicas do acervo da Unesco. A Unesco na década de 70 reuniu músicas tribais de várias partes do mundo e lançou-as em LP. Os músicos do Deep Forest tiveram acesso a esse acervo e selecionaram algumas para mixar. Daí surgiu o primeiro álbum do Deep Forest lançado em 1992. As músicas não eram cantadas por artistas e sim por pessoas comuns em seu habitat natural. As mixagens feitas pelos músicos do Deep Forest deram um som mais contemporâneo para essas músicas. Eles usaram os sons da floresta em suas mixagens, daí o nome Deep Forest. O álbum (ou melhor, a coletânea) de 1992 foi lançado na Austrália pela Columbia e continha 10 faixas.

Capa do primeiro álbum do Deep Forest.



Playlist do CD com os títulos das músicas dadas pelos músicos do Deep Forest:

01 - Deep Forest

02 - Sweet Lullaby

03 – Hunting

04 - Night Bird

05 - The First Twilight

06 - Savana Dance

07 - Desert Walk

08 - White Whisper

09 - The Second Twilight

10 - Sweet Lullaby [ambient mix]

Em 1994 esse álbum foi relançado e chamado de World Mix. Além de trazer as 10 faixas do álbum de 92, foram acrescentadas mais 5 faixas, dentre elas, dois novos remixes da Sweet Lullaby. 

Capa e contra capa do álbum World Mix, de 1994.




Sweet Lullaby (Rorogwela)

Dentre todas as faixas do primeiro CD do Deep Forest, uma música se destacou obtendo sucesso mundial. Trata-se de uma canção de ninar ancestral das ilhas Salomão. A música originalmente se chama Rorogwela, porém no CD do Deep Forest, essa música foi rebatizada de Sweet Lullaby (doce canção de ninar). Essa música foi lançada como single em 1992 e fez um grande sucesso. Aqui no Brasil, essa música foi tocada nas rádios em 1994. A história por trás desse sucesso do Deep Forest é um tanto curiosa. No finalzinho da década de 60, a Unesco coleta várias músicas ancestrais de povos de várias partes do mundo na forma de amostras vocais. Para isso, vários etnomusicólogos viajavam o mundo coletando essas amostras de músicas. As gravações eram feitas de forma bem simples, o etnomusicólogo pedia para alguém de alguma aldeia ou tribo cantar alguma música tradicional de sua tribo e gravava com algum tipo de equipamento. Talvez um gravador profissional. Em 1971, um etnomusicólogo chamado Hugo Zemp foi para as ilhas Salomão, na Oceania, e lá, ele gravou uma local cantando uma canção de ninar na língua Baegu. A música se chamava Rorogwela. A local cantou uma espécie de capela para o etnomusicólogo. O áudio original está no link abaixo. É possível até ouvir os sons do ambiente como alguns pássaros, galinhas e etc. Parece que a música foi gravada em um quintal.

https://www.youtube.com/watch?v=eGjgLrWbIfQ

A letra da música é uma mensagem de um irmão mais velho tentando consolar o irmão mais novo por estarem órfãos. O refrão da música na língua Baegu pode ser lido abaixo:

 “Sasi sasi ae ko taro taro amu/Ko agi agi boroi tika oli oe lau/Tika gwao oe lau koro inomaena/I dai tabesau/I tebetai nau mouri.”

Traduzindo fica:

“Irmãozinho irmãozinho, pare de chorar, pare de chorar. Mesmo que você fique chorando, quem vai te carregar? Quem mais vai cuidar de você? Nós dois agora somos órfãos. Da ilha dos mortos, o espírito deles ainda continuará a olhar por nós”.

Afunakwa, a cantora desconhecida

Depois que a música remixada pelo Deep Forest foi lançada em single, fez o maior sucesso mundial. Dificilmente alguém da década de 90 não tenha ouvido essa música. Tudo que se sabe sobre a mulher que cedeu a voz para o etnomusicólogo Hugo Zemp é que o nome dela era Afunakwa, nascida nas ilhas Salomão perto da Papua Nova Guiné e que faleceu em 1998. Nem ao menos tem uma foto dela na internet! Na música Sweet Lullaby, o áudio original foi sampleado e adicionado instrumentos musicais como sintetizadores, flautas, além de um coral para cantar o refrão. Todo o arranjo ficou bem bacana. Não é à toa que fez muito sucesso. Eu pessoalmente adorei. Conheci a música ainda em 1994, mas jamais pude imaginar a história por trás dela. Pensava até que se tratava de uma cantora como muitas outras, porém Afunakwa era tão somente uma local que fez uma demo dessa música para Hugo Zemp. Sua voz em Rorogwela é bem enigmática!

Matt Harding e seus vídeos dançando ao som de Sweet Lullaby 

Em 2007, um viajante chamado Matt Harding, que ficou famoso na internet por dançar em frente a vários monumentos mundiais ao som de Sweet Lullaby, foi às ilhas Salomão para tentar descobrir o paradeiro de Afunakwa. Ele se encontrou com parentes dela que traduziram a música para o inglês. Infelizmente a “cantora” anônima morreu em 1998. A entrevista de Matt Harding com os parentes dela pode ser vista no link abaixo. Dá para ver que a família dela é bem humilde.

https://www.youtube.com/watch?v=BiHTh6NnoWo

Matt Harding dançando ao som de Sweet Lullaby

https://www.youtube.com/watch?v=7WmMcqp670s

A UNESCO e seu acervo de músicas tradicionais do mundo

Objetivando ter uma vasta coletânea de músicas tradicionais de várias culturas, a UNESCO coletou as gravações dos etnomusicólogos e compilou várias dessas demos em LPs na década de 70. O LP com a faixa Rorogwela se chama Unesco collection MUSICAL SOURCES – Fataleka and Baegu Music (Malaita, Solomon Islands). Esse LP foi lançado em 1973 pela Philips. A música Rorogwela abria o lado B e diferentemente do álbum do Deep Forest, Afunakwa foi creditata nessa coletânea. Todas as faixas são apenas demo cantadas pelos locais e gravadas pelos etnomusicólogos. Considero esse LP como patrimônio cultural da humanidade. No link abaixo é possível ter acesso de forma online ao acervo de músicas culturais da Unesco.


Capa do LP de 1973 com a coletânea da Unesco.




Polêmicas envolvendo Deep Forest

Uma das maiores polêmicas envolvendo o Deep Forest foi a apropriação das canções sem pagar os devidos direitos autorais. O single Sweet Lullaby vendeu 3 milhões de cópias, porém nem Afunakwa e nem sua família nunca ganharam um centavo pelas vendas do single e do álbum de 1992. Nem mesmo a dona da voz foi creditada na faixa Sweet Lullaby. Além disso, o álbum de 1992 foi vendido como se fosse música africana dos pigmeus ignorando totalmente a tradicional canção de ninar das ilhas Salomão. Até o clipe da música faz referência à Africa, como pode ser visto no link abaixo:

https://www.youtube.com/watch?v=ATmBOnMJJkE

Um segundo clipe de Sweet Lullaby foi produzido e dessa vez trazendo um caráter mais mundial. O clipe mostra uma menina saindo de casa, passeando de triciclo por vários monumentos famosos do mundo e retornando para casa para os braços de sua mãe para que ela cante uma canção de ninar para a filha. Essa segunda versão do clipe pode ser visto no link abaixo:

https://www.youtube.com/watch?v=lIF5EEneWEU

No ano 2000, Mauro Picotto lançou uma música dance chamada Komodo onde em uma determinada parte da música, ele usa o refrão da música Rorogwela em uma versão em inglês que nada tem a ver com a tradução. O clipe da música pode ser visto no link abaixo:

https://www.youtube.com/watch?v=pn73q9l3ILw

Outro artista que também sampleou Sweet Lullaby foi o Moby em sua música Flying Foxes do ano 2000. Ele sampleou apenas uma parte instrumental da música. 

https://www.youtube.com/watch?v=JLjsLWevjkw

Já o saxofonista norueguês Jan Garbarek fez uma versão em saxofone de Sweet Lullaby que saiu em seu álbum chamado Visible World de 1995. No CD, a faixa se chama Pygmy Lullaby, associada erroneamente como se fosse uma melodia africana.

https://www.youtube.com/watch?v=ZRGOLRLZoLk

Apesar de todas as críticas que o projeto Deep Forest sofreu, foi graças a eles que conhecemos essa linda canção de ninar das ilhas Salomão. Sem eles, a música teria ficado somente no acervo da Unesco que era inacessível naquela época.  

No link abaixo, uma apresentação ao vivo (maio de 2016) em Moscou onde o projeto Deep Forest faz a performance de Sweet Lullaby. 

https://www.youtube.com/watch?v=j_1qhDJNQ0k

Deep Brasil

Deep Forest lançou outros álbuns, inclusive o de 2008 se chama Deep Brasil em homenagem à nossa cultura. As letras das músicas nesse trabalho remetem à nossa beleza natural. Tem até uma versão brasileira de Sweet Lullaby. Nesse álbum, diferentemente do primeiro, não se trata de samples remixados e sim de um vocalista (Flávio Dell’Isola) que canta todas as músicas. Vale apena conferir esse trabalho!




Versão brasileira de Sweet Lullaby cantanda por Flávio Dell’Isola. Na versão brasileira, a música não tem letra, somente melodia.

https://www.youtube.com/watch?v=3pfK1X-8zOQ

Para baixar o álbum Deep Forest de 1992 é só clicar no botão abaixo. 



Para baixar o álbum Deep Brasil, o procedimento é o mesmo.



E de brinde, caso queira baixar a trilha sonora da Unesco de 1973 que traz a demo que deu origem a Sweet Lullaby, é só clicar no botão abaixo.



Se você conhecia essa música, mas não sabia a história por trás dela, aqui está tudo direitinho pra você. Na internet tem algumas páginas que contam essa história, porém são todas em inglês. É interessante saber como uma moradora local teve sua voz ecoando nos quatro cantos do mundo e ainda permaneceu anomia por todos esses anos. Amo a música Rorogwela, principalmente a versão Sweet Lullaby do Deep Forest. 

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